Sou negro, sou pardo, sou índio, sou pobre… sou brasileiro!

Herança Indígena

Um dos muitos conceitos do Brasil é o de país “colorido”. Dentro e fora, quando se pensa no Brasil, pensa-se, também: lugar multicor. Chega-se a ver as cores. São seis letras que levam a uma alucinação “degradé”. Brasil é sinônimo de carnaval e não há nada mais colorido do que carnaval. Brasil é puro futebol e futebol é pleno de cores. Brasil é todo natureza e ela tem uma infinidade de matizes. E, se não bastasse, o Brasil é um país que se ufana da variação de cores de pele da sua população. É pele de tão variadas cores que matam de inveja os outros povos. Pois, imaginem os escandinavos: são todos transparentes de tão brancos; imaginem os africanos: todos negros; os chineses: todos amarelos; os povos árabes: todos morenos. Nenhum país do mundo tem esta diversidade de cores e tons de pele que temos aqui. Temos as deles e uma imensidade de outras. Alguém vai dizer: não, nós temos negros, brancos e mulatos. Eu replico: não, aqui os negros têm cada um a sua negritude; os brancos têm a sua branqueleza individual; os mulatos têm cada qual a sua mulatice; os índios: cada tribo uma tonalidade característica. Enfim, aqui cada um é dono da sua cor. Eu digo: eu sou moreno claro. O outro diz: eu sou negro bem escuro. E o outro: eu sou moreno pardo. Tem um que diz: eu sou mestiço, bem misturado – tenho pai branco, louro, de olhos verdes, alto, ele é europeu; tenho mãe negra; um avô era índio – E, assim ele vai descrevendo a sua miscigenação, que o fez tão singular na sua cor e na sua aparência geral.

E daí, que preocupação é esta com cor de pele? A quem isto interessa? Você que lê está intrigado. – Respondo: Interessa a você, a mim, a todos os brasileiros. Vou explicar porquê. Há poucos dias o telefone tocou, atendi, era minha sobrinha, estudante de medicina. Ela disse: “Tio, preciso de um favor seu. Redija para mim um documento em que eu me declare de cor parda. Mande por E-mail. Eu tenho que conseguir o financiamento do meu curso e só terei chance se entrar na cota dos pardos. Já que não sou negra nem branca devo ser parda. Parda é o mesmo que morena? Não tem cota dos morenos. Então devem me aceitar como parda mesmo. Vou tentar. Faz isso prá mim tio?”. Fiz! E foi daí que comecei a refletir sobre a cor da pele dos brasileiros.

Não foi a primeira vez que este fato teve a ver diretamente comigo. Antes disso, meu filho fez vestibular. Tirando as cotas reservadas aos negros, pardos e índios, sobraram 24 vaguinhas em um total de 50.

E daí? Nada mais justo. Dizem os favoráveis ao sistema de cotas.
Nada mais injusto. Dizem os contrários ao sistema.
Interessante é que o brasileiro é “miscigenado” até nas opiniões. Posto que há opiniões favoráveis e contrárias de todos os lados.

Miscigenação

Reflitam. Minha sobrinha só estava fazendo um curso de medicina porque sua mãe vendeu o único imóvel que possuía, a própria casa residencial, para custeá-lo até conseguir o financiamento do Governo. Se não conseguisse ficaria inadimplente e adeus curso. Conseguiu, no “soar do gongo”, porque se declarou parda. Se se declarasse “pobre” de nada adiantaria. Não há cota para “pobres”.
Se meu filho se declarasse NEGRO ou PARDO ou ÍNDIO teria mais vagas à sua disposição e menos concorrentes.

Desde quando essas idéias de “cotas” surgiram, tornaram-se polêmicas. Tudo que encontrei escrito sobre o assunto questiona: a finalidade (para a maioria o objetivo apregoado é uma falácia); a legalidade (é inconstitucional); a conseqüência (incitar o racismo).

Da finalidade: Dizem, os defensores do sistema de cotas, que há uma dívida histórica a ser paga aos negros, aos índios, aos pardos. Ora, falácia. Dívidas históricas não existem porque o passado não existe. E quanto mais passado mais inexistente. Imaginem se Roma tivesse uma dívida histórica com todos os povos que ela destroçou, humilhou e escravizou. Qualquer romano de hoje vai achar que estão lhe contando uma piada. Quantos impérios como o romano existiram na história do mundo? A última tentativa de dominar o mundo, a mais recente, foi a da Alemanha, capitaneada pelo insano Hitler. Isto acabou há apenas 63 anos. Entretanto, ninguém, em sã consciência, acusa os alemães de hoje pelo nazismo e todas as suas atrocidades. Aliás, muitos, de sã consciência, não culpam nem os alemães daquela época – é sabido que muitos alemães não eram antissemitas nem nazistas, muitos discordavam de Führer.

Se há dívida histórica ela deve ser paga por toda a humanidade. Pois, não há canto desse mundo, em tempo algum, que não tenha havido um povo dominando outro.

No tocante à escravatura negra, contrapondo: quem vai pagar a conta aos brancos? Isso é uma piada! Exclamarão os não brancos. Concordo. Não há nada a pagar aos brancos. – Mas, se houvesse uma dívida histórica aos negros e aos índios e aos pardos; ora, por que não haveria de ter também a dos brancos? Por quê? – Ora, porque sempre houve escravos brancos, em toda a história. Ou alguém aí não sabe disso? Se alguém pensa que só existiu escravagismo negro está assinando o seu próprio atestado de ignorância. Antes dos negros serem seqüestrados na África, os brancos pobres e indefesos ou até ricos vencidos nas guerras eram feitos escravos.

Escravagismo, de qualquer cor, inclusive do branco, nem é coisa do passado. Temos escravagismo, hoje, em todas as partes do mundo, inclusive aqui no Brasil. – No Sertão. Nos latifúndios distantes (às vezes de propriedade de algum figurão da política ou do empresariado). Mas, também, aqui e aí bem pertinho. Lá no subúrbio. Lá no condomínio fechado. Ali do outro lado da rua. Na casa ao lado. De um modo ou outro tem sempre alguém achando que é normal dominar e escravizar um ser humano.

Da conseqüência: Desde criança sempre ouvi dizer que no Brasil não há racismo. Mentira! não é? Em parte. Se compararmos com o racismo dos outros países. Mesmo o racismo (Apartheid) da África do Sul, já não existe. O dos EUA nem se fala, até elegeram um presidente negro. Mas, com toda a melhora, lá ainda tem separatismo e preconceito explícitos. Deixe-me ilustrar: Minha cunhada, branca como leite, foi morar na Flórida com o marido e filho. Deram um giro pelo bairro onde decidiram que seria possível pagar aluguel. Anotaram os endereços das casas que agradaram e foram até à imobiliária. A atendente olhou a lista e aconselhou-os a eliminar alguns endereços e explicou que se eles fossem negros aconselharia a eliminar os outros endereços. O bairro era dividido em metade negro e metade branco. Isto significa um grande avanço. Há 30 anos atrás isso seria impossível. Hoje já dividem o mesmo bairro. Respeitam-se. Mas ainda não se misturam.

Meu cunhado morou perto de Boston. Contou-me que certo dia a firma lhe mandou prestar serviço em um determinado endereço. Lá chegando percebeu que era um bairro de classe média alta. Trabalhou lá por cinco dias inteiros. Não viu um branco sequer. Os moradores eram todos negros. Curioso, interrogou o patrão, um americano branquelo. Ficou perplexo com o que ouviu – o bairro é todo habitado por negros. Todos os adultos têm formação universitária. A maioria tem mestrado ou doutorado. São cientistas, professores, diretores de grandes firmas, empresários, industriais. – Meu cunhado branquelo, estava lá, clandestinamente, pintando as paredes de uma mansão, para sobreviver. Com um segundo grau sofrível.

Dizem que no Brasil há um “racismo velado”. Quer dizer que o brasileiro tem um racismo hipócrita e covarde. Ou seja oculto e subjetivo. Verdade? Em parte, porque isso se aplica aos racistas ou preconceituosos assumidos, mais aos segundos que aos primeiros.

Aqui, o que se vê, em geral, é a camaradagem, sincera. O convívio amigável. A miscigenação natural. Os casamentos “inter-raciais” se realizam a todo instante. As cores, aqui, se misturam como café com leite, não só convivem, como no arco-íris. Negros e brancos nascem e crescem juntos até que o dinheiro os separe. Se permanecerem pobres a vida inteira, juntos continuarão. Se enriquecerem todos, também. Aqui as pessoas são separadas pelo dinheiro não pela cor da pele. Não há como misturar a mansão com o barraco; o condomínio de luxo com a favela; a “quentinha” com “a La carte”; o BMW com a Kombi; o banqueiro com o bancário. Este separatismo é imposto pelo dinheiro, não pela vontade das pessoas.

E as cotas? Ah! As cotas. Dizem que elas vão diminuir esse fosso entre ricos e pobres. Que vão diminuir a diferença entre a mansão e o barraco. Que nada! Elas vão corroer a convivência; vão fazer enxergar o que não se via. Como os cupins deixam só a cor da madeira as cotas vão deixar só a cor da pele. A cor vai segregar como hoje o dinheiro faz. E, o dinheiro o faz imperativamente. E isso sim precisa ser combatido. Se é para diminuir as diferenças materiais vamos planejar cotas para as classes econômicas (se ninguém encontrar melhor idéia).

Cota A, B, C, D, E. Isso não vai promover a separação do que já é separado. Mas, poderá fazer desaparecerem os barracos; as quentinhas; as Kombis enferrujadas. As favelas poderão perder este conceito. Poderão ser condomínios classe média. As Kombis enferrujadas poderão ser trocadas por outras “zeradas” (ainda existem); as quentinhas serão substituídas por “self-service”.

Enfim, todos poderão viver com dignidade. É isso que interessa! Acabar com a miséria e com a pobreza. Que a diferença venha a ser entre o mais rico e o menos rico. Aí perderemos a vergonha de sermos do terceiro mundo e seremos desenvolvidos. Seremos uma Nação de verdade.

Aí o Brasil perderá a cor feia da pobreza.
Aí o Brasil ganhará as cores da dignidade, a verdadeira riqueza.
Da legalidade (?): Ah! Ia me esquecendo: leiam o artigo 5º da Constituição Federal. Só!

Será que ele precisou de cotas?